terça-feira, 7 de agosto de 2007

Cheiros e afetos

Passando hoje à tarde por um stand de aromas - xampu de camomila, sabonete de pitanga, óleo de baunilha... - recordei de alguns cheiros que me trazem lembranças da infância e contei a Vivi: o cheirinho gostoso da minha lancheira vermelha da Mônica, das ameixas amarelas da chácara do vovô, do feijão cozido às segundas-feiras pela mamãe, da minha bisavó, do batom moranguinho, da boneca meu bebê... Enfim, cheiros trazem afetos!

E foi essa minha relação com cheiros e livros que me fez confrontá-los aqui. Em A Morte em Veneza, obra de Thomas Mann, Gustav von Aschenbach está em crise com a vida austera que levava e decide passar as férias de verão em Veneza. Lá, apaixona-se por um adolescente, Tadzio, que é a representação perfeita da beleza e da inocência sendo, portanto, o contraponto da decomposição física de Aschenbach. Deste modo, a paixão, insuflada por imagens da mitologia grega, vai lentamente dissolvendo a racionalidade e passa a confrontar as duas personagens que representam as contradições do existir: vida e morte, carne e espírito, saúde e doença, eterno e efêmero, começo e fim, belo e grotesco. E parte importante na caracterização destas contradições é o cheiro de Veneza, cheiro esse que invade a personagem, se mescla com os sentimentos da mesma, tornando-se impossível saber se Aschenbach é influenciado pelo cheiro ou se este é apenas uma impressão do acadêmico alemão. Há a fusão da personagem e da ambientação. O leitor de Mann também torna-se capaz de sentir o cheiro pútrido de mar e lama que invade cada página. Esse cheiro representa a decadência do contexto aristocrático europeu, o fim do belo e da juventude, o definhamento de Aschenbach. É o contraponto da beleza irradiada por Tadzio e parece emanar das páginas do livro, sufocando e envolvendo não só Aschenbach, mas também o leitor, entorpecendo os sentidos e, com isso, despertando um novo olhar, provocando, instigando, formando um novo conhecimento do mundo.

Cheiros exalados de livros também afetam...

Um comentário:

justfeel disse...

É muito bom quando um cheiro (ou uma música, o que, pra mim, é mais frequente) traz uma velha recordação... De outro tempo, de outras coisas, de outro modo de viver.
Normalmente a nostalgia vem acompanhada da inabalável noção de que o tempo corre cada vez mais depressa, não?