sábado, 17 de janeiro de 2009

Banho de chuva


Caminhando pela praia, foi surpreendida pela chuva. Gota a gota, o corpo foi se entregando àquele saboroso prazer. E a mente não pôde deixar de pensar ao constatar a entrega: se, ao invés da areia da praia os pés estivessem tocando o asfalto da cidade, não haveria surpresa nem entrega. Na bolsa, há sempre uma sombrinha. Na bolsa e na vida.

Então, docemente embriagada por cada gota resplandecente e pelo cheiro de terra molhada mesclado com o aroma salgado do mar, resolve que quando os pés tocarem novamente o asfalto, guardará a sombrinha na gaveta do passado.


sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O filho eterno

"Nada do que não foi poderia ter sido". Cristóvão Tezza repete essa frase ao longo de seu livro O filho eterno (2007), vencedor do prêmio Jabuti. Frase essa que permaneceu em forma de breve, mas insistente sussurro mesmo após o livro ter sido fechado de fato (ao menos até chegar a vontade de saborosa releitura).

Trabalhando habilmente com o tempo e com um emaranhado de sentimentos que se afloram ainda mais com a notícia de que o filho que acabara de nascer é portador da Síndrome de Down, Tezza apresenta um personagem que vive em um presente suspenso - busca conhecer o filho e a si mesmo - e recebe um presente eterno: Felipe.

A habilidade em trabalhar com o tempo - num único parágrafo, o autor produz um movimento de ir-e-vir na narrativa, o que retrata o aprendizado descontínuo e peculiar de Felipe -, o assunto abordado sem preocupações morais, a linguagem pontual, tudo isso torna o romance autobiográfico de Tezza, escritor curitibano, reconhecido em âmbito nacional e merecedor dos prêmios e críticas recebidas.